84580 / SP - SÃO PAULO
HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento:
25/08/2009 Órgão
Julgador: Segunda Turma. STF
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO
NACIONAL - RESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTROLADORES E ADMINISTRADORES DE
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - LEI Nº 7.492/86 (ART. 17) - DENÚNCIA QUE
NÃO ATRIBUI COMPORTAMENTO ESPECÍFICO E INDIVIDUALIZADO AOS DIRETORES DA
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - INEXISTÊNCIA, OUTROSSIM, DE DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS
QUE VINCULEM OS PACIENTES AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA DENÚNCIA -
PEDIDO DEFERIDO. PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO
FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA. - O sistema jurídico vigente no Brasil -
tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje
impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático -
impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado "reato
societario", a obrigação de expor, na denúncia, de
maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na
suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos
fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da
atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da
culpa e no princípio constitucional do "due process of law" (com
todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não
tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de
maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado. Precedentes. A
PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA
INEPTA. - A denúncia deve
conter a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado
com todas as suas circunstâncias fundamentais. Essa narração, ainda que
sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado
constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de
defesa. Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta
individual de cada agente aos eventos delituosos qualifica-se como denúncia
inepta. Precedentes. DELITOS CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PEÇA
ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO AOS DIRETORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA,
QUALQUER CONDUTA ESPECÍFICA QUE OS VINCULE, CONCRETAMENTE, AOS EVENTOS
DELITUOSOS - INÉPCIA DA DENÚNCIA. - A mera invocação da
condição de diretor ou de administrador de instituição financeira, sem a
correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o
vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator suficiente
apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de
decreto judicial condenatório. - A circunstância objetiva de alguém meramente
exercer cargo de direção ou de administração em instituição financeira não se
revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa
(inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar,
como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente
persecução criminal. - Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda
que se trate de práticas configuradoras de macrodelinqüência ou
caracterizadoras de delinqüência econômica, a possibilidade constitucional de
incidência da responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede
criminal, como princípio dominante do sistema normativo, o dogma da
responsabilidade com culpa ("nullum crimen sine culpa"),
absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do "versari in
re illicita", banida do domínio do direito penal da culpa. Precedentes. AS
ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE,
EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA. - Nenhuma acusação penal se presume provada. Não
compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério
Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável,
a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito
positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político
brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que
caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua
própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.
- Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se
indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos
estruturais ("essentialia delicti") que compõem o tipo penal, sob
pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide)
de provar que é inocente. - Em matéria de responsabilidade penal, não se
registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o
Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas,
reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema
jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que
não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera
suspeita