The Donald Duck Hells
Donald Trump e o efeito "mauzinho” de ser
Por Cláudia Aguiar
Britto[1]
Por que Donald Trump e sua indefectível característica
preconceituosa, racista, xenófoba e manifestamente desmedida, consegue
influenciar parte da população que integra a maior potência econômica do
planeta? Está aí um enigma difícil de
ser decifrado.
Há algum tempo, os “Michaels” têm se
destacado. Desde Michael Jackson, passando por Michael Jordam, Michael Jonhson
e Michael Phelps, os astros norte-americanos têm projetado suas marcas pelo
mundo; seja pelo esforço e dedicação nas atividades que desempenham, seja pelas
mensagens transferidas por meio de letras e melodias, por atitudes ou
discursos. Entretanto, por outra vertente, o efeito “mauzinho” de ser de Donald Trump tem prevalecido na
América.
Nos palanques políticos e nas esferas midiáticas,
Trump já foi capaz de dizer que os mexicanos “trazem as drogas, trazem o crime
e os estupradores”... E que pretende construir um muro separando os países. O
candidato chegou a questionar a saúde mental do atual Presidente por ter
permitido a entrada de pessoas com ebola nos EUA; indignou-se com a
possibilidade de homens negros contarem a sua fortuna, vociferando que: “homens negros contando o meu
dinheiro?!” “Eu odeio isso !” E ainda reacendeu o confronto ao afirmar que
bombardearia todo o petróleo do Estado islâmico no Iraque e mandaria grandes
corporações construírem por lá... E por aí vai... A metralhadora giratória de
Donald não para.
Ainda que toda essa carga ideológica
implantada na fala do candidato esteja
centrada nos Estados Unidos, é preciso
compreender que em um mundo globalizado os
sintomas e as consequências desse tipo de discurso são sentidos de imediato em todos os cantos. A
ideologia discriminatória consegue realmente ultrapassar os limites da sua
atuação para alcançar outras nações e seus sistemas jurídicos internos, cujos interesses
são significativamente diversos.
Como se sabe, os discursos servem para
transformar, sair do “ponto zero”, progredir, mas também existem e persistem
aqueles que são utilizados para destruir.
Nunca é demais relembrar o fato de que o
totalitarismo nazifascista e o holocausto concebiam um modelo de sociedade
estruturado na razão. Os discursos empregados por seus mentores serviram para
arregimentar um exército de vítimas da razão instrumental, conforme explicou
Horkheimer. E os grupos vulneráveis, os camponeses, artesãos, comerciantes,
pequenos empresários, as donas de casa e toda massa de gente que constituía a
classe média alemã, paradoxalmente, formariam o apoio ativo que levou os
nazistas a tomarem o poder.[i]
Um texto do filósofo Heidegger publicado no jornal de estudantes de Freiburg em
1933 reforçaria assim a tese de que ele
servira de estímulo ao povo para encontrar a “grandeza e verdade” de sua
determinação. E esse “encontro” com a grandeza e a verdade pelo povo alemão
desaguaria numa decisão suprema de sua própria liberdade. Ou seja: a vontade
coletiva fora subsumida à vontade de seu Führer. [ii]
A “verdade” da determinação do povo era nada mais do que a verdade de Hitler. A
“decisão suprema de sua liberdade” significava, ao fim e ao cabo, o
amalgamento, a pasteurização dos ideais hitlerianos.
Nas digressões de Perelman, quando usamos
a argumentação, isto implica que renunciamos ao recurso único da força, dando
apreço à adesão do interlocutor, impedindo que as pessoas sejam tratadas como objeto.
A
comunicação tem realmente esse poder. Ela não é uma transferência unilateral de
informação. Entretanto, parece ser evidente também, que a prática discursiva
não tem como garantir sempre a integridade, a infalibilidade, a clareza, a segurança,
o respeito ou a estabilidade de resultados e propostas.
Mais recentemente, Habermas conta que
após o “11 de Setembro” passou a ser frequentemente indagado se, em razão
desses fenômenos da violência, a concepção do agir orientado para o
entendimento, tal qual ele desenvolvera na teoria do agir comunicativo, não
teria ficado completamente desacreditada. Ele respondeu que, justamente porque
as relações sociais de violência, agir estratégico e manipulação são
realizados, não é possível ignorar dois outros fatores: primeiro, que a prática
da convivência diária residiria numa base sólida e convicções comuns,
evidências culturais, expectativas recíprocas; e, segundo, que os conflitos
ocorreriam em razão dos distúrbios de comunicação.[iii]
Como
destaca o filósofo alemão, a espiral da violência começa com uma espiral de
comunicação prejudicada através da espiral de uma desconfiança recíproca
descontrolada, que leva à interrupção da comunicação. A destruição e a corrupção
da linguagem especialmente sentidas nos países em desenvolvimento e os menos
favorecidos trazem graves consequências, produzem drásticas reações, fazem
operar uma espécie de “vingança dos oprimidos”, aventada por Habermas, para
compensar o silêncio irrompido, sepulcral e autoritário que permeou e permeia os
sistemas até hoje.
Em razão das inúmeras declarações públicas
discriminatórias, Donald tem sido alvo de severas criticas. Entretanto, parece
não se importar com elas.
Na contramão do modelo de corresponsabilidade
solidária, a qual se emprega o conceito moderno de humanismo, e que se almeja para a
sociedade do século XXI, Trump serve-se do efeito “mal-humorado - mauzinho - nefasto”
de Donald Duck Hells. Uma espécie de Pato Donald dos
infernos, cunhamos. Em 1942, o famoso
Pato Donald de Walt Disney foi forçosamente integrado à propaganda nazista. As
histórias traçadas à época, inspiradas na “face do Führer”, mostravam Donald
Duck à frente da produção de armamento bélico, bem como instado a contribuir
com impostos destinados a patrocinar a guerra.
Donald adota o modelo Duck. Não sabe
nadar, não mergulha fundo, e, de vez em quando, se afoga nos seus próprios
impropérios. E o que faz Donald Trump se tornar um ícone, se notabilizar e alçar
uma visibilidade incomum? O que faz
Donald encontrar tantos adeptos dispostos a comprar o seu pacote recheado de
ódio, discriminação e seletivização? Um pacote embrulhado com o papel nefasto
da desunião? Vivemos realmente tempos sombrios ou tudo isso faz parte desse
processo de depuração e expurgo? Da destruição do que estava encoberto?
Para toda evidência há outros tipos de
exteriorização para as quais pode não haver boas razões. Muitas experiências
podem estar ancoradas em fundamentos e argumentos, porém envoltas por
suscetibilidades e desejos internos que não implicam necessariamente em bons
propósitos.
A necessidade de se buscar e alcançar
atitudes de responsabilidade social, solidária, cooperativa, “universalizada”;
um modelo que atenda o outro na sua alteridade é premente. Há de se ‘manter vivo o sentimento de
humanidade’, como já destacou Habermas. Aquele respeito por todos e na
responsabilização solidária geral de cada um pelo outro. O respeito não abarca
apenas aqueles que são iguais, congêneres[iv],
mas, sobretudo, aquele “outro” em sua alteridade, em suas diferenças e em suas
idiossincrasias.
Queiram os deuses que o efeito “mauzinho” de Donald Duck Hells seja arrefecido, transformado e revigorado em
ações positivas. O planeta Terra merece e agradece. As gerações futuras também.
A assimilação de uma “responsabilização
solidária” pelo outro ‘como um dos nossos’, tendo como premissa a abolição de
todas as formas de exclusão, integrando e incluindo os outsiders, parece ser
uma das trilhas desse emaranhado processo construtivo de comunicação.
'Pato Donald dos infernos', mal humorado,
rabugento ou ainda na versão “mauzinho”, só mesmo nos divertidos gibis.
[1]
Cláudia Aguiar Britto.Pós doutora em Direitos Humanos e democracia. Doutora e
Mestre em Direito. Professora Universitária. Advogada
[i] Habermas, J. Agir
comunicativo. v. I e
II. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: Martins Fontes, 2012, v.1, p. 635.
[ii] Cf. Habermas
(2010, p. 161): “[...] o povo alemão é chamado à votação pelo Führer. Porém, o Führer nada pede ao povo, antes lhe dá a possibilidade mais direta
de uma decisão suprema na sua liberdade” [...]. Em outra passagem, Heidegger
assim escreve: “A nossa vontade de auto responsabilidade nacionalista quer que
cada povo encontre a grandeza e a verdade da sua determinação [...]. Há apenas
uma única vontade para a existência plena do Estado. O Führer fez despertar essa vontade em todo o povo e moldou-a numa
única decisão”. Direito e democracia entre facticidade e validade. v. I. 2. ed. Tradução de Flávio Siebeneicher. Rio de Janeiro: BTU,
2010.
[iii] Aguiar Britto. Processo Penal Comunicativo.
Comunicação processual à luz da filosofia de Jürgen Habermas. Curitiba: Juruá.
2014.
[iv] HABERMAS, A inclusão do outro: estudo de Teoria Política. Tradução de Sperber G; Soethe, P. A.; Mota, M. C; 3. ed. São Paulo: Loyola, 2007 a. 201
pp. 7,8
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