O Sistema de justiça criminal: democracia requer prática, mas
sobretudo conhecimento.
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Por Cláudia Aguiar
O Direito e as leis, especialmente as penais, são
verdadeiros emaranhados jurídicos para muita gente. São normas e regras
difíceis de serem compreendidas para boa parte dos cidadãos. Todavia, mesmo sem
uma comunicação adequada, sem um aprendizado efetivo, cidadãos continuam a ser
cobrados maciçamente pelos seus atos e posturas. Essa ignorância está
relacionada não só à percepção do que é permitido ou não fazer (conduta típica)
pelo sistema de poder penal, bem como e, sobretudo, ao conhecimento sobre o aparato
procedimental criminal. Estados onde a miséria campeia, onde se visualiza
escasso acesso à cultura, à educação e aos modelos comunitários básicos de
compartilhamento de informação e comunicação (rádio, tv, jornal, telefone,
Internet etc.), o conhecimento das pessoas sobre o sistema legal é algo
imaginário.
Contudo, milhares de cidadãos, ainda que em
diferentes condições humanas e materiais, vivem sob a égide e a guarda de uma
mesma Constituição, submetidos aos mesmos mecanismos
de repressão e punição. Estão obrigados a observar a norma e a se ater a elas.
Segundo o IBGE[1], no país, 7,9% da população
possui nível superior completo (em 2000, eram 4,4% pessoas com título de
graduação). Em 1997, apenas 1/5 da população havia concluído o ensino
fundamental na idade adequada (15 anos). O percentual atual é de 47,6%. No
ensino médio, menos de 1/5 havia completado o ensino médio (o indicador atual é
de 50, 2%.). A taxa de escolarização líquida da população de 18 a 24 anos
corresponde a 14,4%. É evidente que o fato da ignorância, não pode ser simplesmente
analisado pela perspectiva da formação acadêmica do sujeito, mas especialmente
pelo aspecto da sua ignorância em relação ao estar no mundo, conhecer o mundo,
do seu ser, enquanto ser no mundo. No Brasil, por óbvio, tudo isso fica muito
mais evidenciado pela circunstância primeira da quantidade e qualidade de
marginalizados sociais que – ainda – vivem em extrema pobreza[2].
Daí a ncessidade de se empreender ações voluntárias
que atendam o outro na sua alteridade. Afinal de contas, como
Bauman[3] bem assinala, num mundo em que pouquíssimas pessoas ainda
continuam a acreditar que mudar a vida dos outros tenha alguma importância para
a sua; num planeta em que cada indivíduo é abandonado a sua própria sorte;
pensar e agir em prol de gente pobre, sem recursos, ou mesmo em benefício de
réus ou condenados e suas respectivas famílias - tende a soar como uma
verdadeira heresia, o maior dos pecados capitais.
Entretanto essa corresponsabilidade, ‘de todos como
um de nós’, solidária, humanística e, sobretudo, responsável, pode reduzir as
condições de assimetria existentes. A proteção aos direitos humanos só se
manifesta, com especial ênfase, nas sociedades imbuidas de um vigoroso
sentimento de solidariedade humana. Essa ignorância que atua principalmente
contra os frágeis, não pode ser renegada à sua própria sorte. Sem esse esforço
solidário concentrado para enfrentar a ignorância, a desigualdade e os
privilégios decorrentes que giram em torno do sistema de justiça criminal no
país, essa perversidade com o “outro” continuará pelas gerações futuras.
As ações orientadas para o alcance em torno do
conhecimento somente poderão ter seu nó górdio desfeito se forem estabelecidas
formas coletivas de aprendizagem, de respeito aos direitos humanos, da
autocognição como pessoa, por meio de um processo de formação que assegure a
competência comunicativa dos indivíduos. Esse tipo de conhecimento, de
educação, de conscientização do que é bom, salutar e importante para o
crescimento humano, para projeção e aplicação de direitos que garantam os
desafios do porvir, pode servir como máscara protetora, como blindagem às
influências das várias formas de poder.
Por isso mesmo, os ambientes jurídicos devem
redundar em um espaço de acesso aos cidadãos suficientemente capazes de
estabelecer laços comunicacionais com os diversos setores que compõem a
estrutura de uma sociedade. As caixas herméticas, hierarquizadas e
hierarquizantes do sistema de justiça penal devem ser abertas a partir do
exercício da via comunicativa do aprendizado.
A sociedade civil, universidades, organizações não
governamentais, sindicatos, associações de classe devem ser constantemente
chamados e estimulados a participar da celebração comunicativa cooperativa do
conhecimento, de forma que as populações locais ou regionais tenham acesso às
informações básicas sobre o sistema de justiça criminal.
Essa via para o conhecimento pode ser encurtada se
os profissionais do direito puderem alcançar aqueles mais desamparados, os mais
vulneráveis. Porque conhecer é um direto humano. Conhecer é adquirir o poder de
dialogar, de criticar, de dissentir, de consentir, de emancipar-se, enfim.
[2] O Brasil tem 16, 2 milhões de pessoas
vivendo em extrema pobreza. Os primeiros resultados definitivos, divulgados em
novembro de 2010, apontaram uma população formada por 190.732.694 pessoas
(Censo 2010). Fonte: IBGE.[3]
Z. B. Tempos Líquidos. Zahar, 2007
Publicado também no Sítio Unifeso. www.unifeso.edu.br