quarta-feira, 8 de março de 2017

Democracia requer prática, exercício, conhecimento...

O Sistema de justiça criminal: democracia requer prática, mas sobretudo conhecimento.

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Por Cláudia Aguiar
O Direito e as leis, especialmente as penais, são verdadeiros emaranhados jurídicos para muita gente. São normas e regras difíceis de serem compreendidas para boa parte dos cidadãos. Todavia, mesmo sem uma comunicação adequada, sem um aprendizado efetivo, cidadãos continuam a ser cobrados maciçamente pelos seus atos e posturas. Essa ignorância está relacionada não só à percepção do que é permitido ou não fazer (conduta típica) pelo sistema de poder penal, bem como e, sobretudo, ao conhecimento sobre o aparato procedimental criminal. Estados onde a miséria campeia, onde se visualiza escasso acesso à cultura, à educação e aos modelos comunitários básicos de compartilhamento de informação e comunicação (rádio, tv, jornal, telefone, Internet etc.), o conhecimento das pessoas sobre o sistema legal é algo imaginário.
Contudo, milhares de cidadãos, ainda que em diferentes condições humanas e materiais, vivem sob a égide e a guarda de uma mesma Constituição, submetidos aos mesmos mecanismos de repressão e punição. Estão obrigados a observar a norma e a se ater a elas.
Segundo o IBGE[1], no país, 7,9% da população possui nível superior completo (em 2000, eram 4,4% pessoas com título de graduação). Em 1997, apenas 1/5 da população havia concluído o ensino fundamental na idade adequada (15 anos). O percentual atual é de 47,6%. No ensino médio, menos de 1/5 havia completado o ensino médio (o indicador atual é de 50, 2%.). A taxa de escolarização líquida da população de 18 a 24 anos corresponde a 14,4%. É evidente que o fato da ignorância, não pode ser simplesmente analisado pela perspectiva da formação acadêmica do sujeito, mas especialmente pelo aspecto da sua ignorância em relação ao estar no mundo, conhecer o mundo, do seu ser, enquanto ser no mundo. No Brasil, por óbvio, tudo isso fica muito mais evidenciado pela circunstância primeira da quantidade e qualidade de marginalizados sociais que – ainda – vivem em extrema pobreza[2].
Daí a ncessidade de se empreender ações voluntárias que atendam o outro na sua alteridade. Afinal de contas, como Bauman[3] bem assinala, num mundo em que pouquíssimas pessoas ainda continuam a acreditar que mudar a vida dos outros tenha alguma importância para a sua; num planeta em que cada indivíduo é abandonado a sua própria sorte; pensar e agir em prol de gente pobre, sem recursos, ou mesmo em benefício de réus ou condenados e suas respectivas famílias - tende a soar como uma verdadeira heresia, o maior dos pecados capitais.
Entretanto essa corresponsabilidade, ‘de todos como um de nós’, solidária, humanística e, sobretudo, responsável, pode reduzir as condições de assimetria existentes. A proteção aos direitos humanos só se manifesta, com especial ênfase, nas sociedades imbuidas de um vigoroso sentimento de solidariedade humana. Essa ignorância que atua principalmente contra os frágeis, não pode ser renegada à sua própria sorte. Sem esse esforço solidário concentrado para enfrentar a ignorância, a desigualdade e os privilégios decorrentes que giram em torno do sistema de justiça criminal no país, essa perversidade com o “outro” continuará pelas gerações futuras.
As ações orientadas para o alcance em torno do conhecimento somente poderão ter seu nó górdio desfeito se forem estabelecidas formas coletivas de aprendizagem, de respeito aos direitos humanos, da autocognição como pessoa, por meio de um processo de formação que assegure a competência comunicativa dos indivíduos. Esse tipo de conhecimento, de educação, de conscientização do que é bom, salutar e importante para o crescimento humano, para projeção e aplicação de direitos que garantam os desafios do porvir, pode servir como máscara protetora, como blindagem às influências das várias formas de poder.
Por isso mesmo, os ambientes jurídicos devem redundar em um espaço de acesso aos cidadãos suficientemente capazes de estabelecer laços comunicacionais com os diversos setores que compõem a estrutura de uma sociedade. As caixas herméticas, hierarquizadas e hierarquizantes do sistema de justiça penal devem ser abertas a partir do exercício da via comunicativa do aprendizado.
A sociedade civil, universidades, organizações não governamentais, sindicatos, associações de classe devem ser constantemente chamados e estimulados a participar da celebração comunicativa cooperativa do conhecimento, de forma que as populações locais ou regionais tenham acesso às informações básicas sobre o sistema de justiça criminal.
Essa via para o conhecimento pode ser encurtada se os profissionais do direito puderem alcançar aqueles mais desamparados, os mais vulneráveis. Porque conhecer é um direto humano. Conhecer é adquirir o poder de dialogar, de criticar, de dissentir, de consentir, de emancipar-se, enfim.

[2] O Brasil tem 16, 2 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza. Os primeiros resultados definitivos, divulgados em novembro de 2010, apontaram uma população formada por 190.732.694 pessoas (Censo 2010). Fonte: IBGE.[3] 
Z. B. Tempos Líquidos. Zahar, 2007
Publicado também no Sítio Unifeso. www.unifeso.edu.br

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