quinta-feira, 1 de outubro de 2015

DECISÃO JUDICIAL QUE RECEBE A INICIAL ACUSATÓRIA SEM ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 59.759 - SC (2015/0118403-1) 

"( ... ) e  O Julgador, nem mesmo de forma concisa,
ressaltou a presença dos requisitos viabilizadores da ação penal. Limitou-se a dizer: "Recebo a
denúncia, pois a peça acusatória preenche todos os requisitos do art. 41 do CPP", sem
demonstrar, nem minimamente, o que o teria levado a acolher a pretensão ministerial.
Sabe-se, entretanto, que responder a uma ação penal propala efeito negativo
e estigmatizante. 
O simples fato de figurar como denunciado aplica ao agente um estigma de
"criminoso", torna-o afetado por um processo seletivo e discriminatório. O indivíduo passa a
ser "condenado" a partir da etiqueta que lhe é colocada, não exatamente pelo ato praticado.
A esse respeito, preceituam os professores Zaffaroni e Pierangeli:


[...] ao menos em boa medida, o sistema penal seleciona pessoas ou
ações, como também criminaliza certas pessoas segundo sua classe
e posição social. [...] Há uma clara demonstração de que não somos
todos igualmente "vulneráveis" ao sistema penal, que costuma
orientar-se por "estereótipos" que recolhem os caracteres dos
setores marginalizados e humildes, que a criminalização gera
fenômeno de rejeição do etiquetado como também daquele que se
solidariza ou contata com ele, de forma que a segregação se
mantém na sociedade livre. A posterior perseguição por parte das
autoridades com rol de suspeitos permanentes, incrementa a
estigmatização social do criminalizado. (ZAFFARONI, Eugenio Raul;
PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte
geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 73).



Em que pese toda essa arbitrariedade seletiva dirigida aos acusados, vê-se
que, neste caso, o Magistrado deixou de verificar a existência dos pressupostos processuais e
das condições da ação, não tratou da existência de justa causa para o exercício da ação penal,
limitando-se a cuidar da presença dos pressupostos intrínsecos à peça processual.


A propósito, ponderou o próprio Parquet Federal: "a decisão que recebeu
a denúncia não analisou, sequer sucintamente, os requisitos necessários para o início da
persecução penal. A decisão ora analisada deixa de analisar, portanto, além da justa
causa para a persecução penal, a possibilidade de absolvição sumária. Impõe-se a
anulação da decisão, para que sejam satisfeitas as exigências da lei processual penal,
viabilizando uma defesa ampla em favor do acusado " (e-STJ fls. 95/96).
Ressalte-se que "a falta de fundamentação não se confunde com
fundamentação sucinta. Interpretação que se extrai do inciso IX do art. 93 da CF/88"
(STF, Segunda Turma, AgRg no HC -105.349/SP, Rel. Min. Ayres Britto, j. em 23/11/2010,
DJ de 17/2/2011).


Note-se, por fim, que a decisão viabilizadora da ação penal há de implicar
constrangimento ilegal ao denunciado, por poder afetar o seu direito de locomoção. Ainda que
a defesa tenha toda a instrução criminal para sustentar suas teses e produzir provas de suas
alegações, com observância do princípio do contraditório, não se pode negar a carga negativa
que possui o recebimento de uma denúncia, tampouco se pode retirar da demanda criminal a
possibilidade de acarretar o cárcere.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso, declarando a nulidade da
decisão de recebimento da denúncia, sem prejuízo da prolação de nova decisão, desde que
Documento: 50721801 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 6 de 7
Superior Tribunal de Justiça devidamente fundamentada. "



Grifou-se

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